O trem deixava St. Gallen as 5:44 da manha. Era inicio do mes de maio e o ceu limpo indicava dia azul pela frente. Seu costume de nao usar relogio lhe dava uma sensibilidade especial com o tempo mas, situacoes precisas como essa, causavam ansiedade. Os trens na Suica partiam exatamente no horario e pressentir 5:44 da madrugada nao era nada facil sem relogio.
A ansiedade, apesar do preco pago pelo estomago, fez ele chegar em seguranca a estacao 15 minutos antes da saida do trem.
Jah em movimento, deixou-se levar pela paisagem aberta pela janela.
-Aqui ateh o sujo eh limpo.
O cerebro, provavelmente provocado pelos acidos estomacais, jorrava filosofia barata pela manha.
Aparentemente sem sentido, a frase resumia algo que sentira ali: tudo era visualmente limpo, ordenado e bonito na Suica.
Ateh o sujo.
Tentou encontrar uma explicacao cultural para o absurdo da frase. Acreditava que essas ideias lancadas pelo subconciente deveriam ser mastigadas.
Depois de algumas alternativas escolheu a que parecia mais absurda: o mar.
Sua falta deixara a Suica sem contato com um dos grupos mais radicais da vida humana. Afinal, os marinheiros foram tatuados muito antes dos punks. Jesus buscou nos pescadores os revolucionarios para segui-lo e o indio nao sobreviveu a ira dos navegadores.
Alguem pra se atirar a imensidao do oceano tem parafuso a menos.
Tal proeza necessita um conhecimento alem da plantacao, tao segura, cercada.
Exatamente, saber quando se deve plantar o alface nao serve, eh cafe pequeno.
O intestino tem que saber de algo mais antigo, do tempo que voce era ostra, sapo, peixe. Tem que conhecer das tempestades e ter na morte sua amiga.
Radicais, loucos e envelhecidos de sal. Homens do mar e suas mulheres que passam a vida lidando com a possibilidade de ver seu amor morrer. Diariamente.
Faltava isso na Suica, o sal do mar, o mal cheiro dos portos, a loucura da fragilidade humana frente os poderes da natureza.
Para compensar, tornaram tudo belo, campestre, limpo. Cada cantinho como um ato de prazer visual romantico, seguro. Nao e' atoa que os bancos reinavam aqui.
Lembrou-se de uma historia popular ouvida na Espanha que brincava com a falta de estudo de alguns toureiros.
Ao ser perguntado como tinha sido a tourada, o toureiro famoso, respondeu:
-En dos palabras: im - pressionante !
Pois bem, a Suica em duas palavras era:
-im - pecavel.
Sorriu com os pensamentos. O pecado era um duplo sentido interessante para o pensamento matinal.
Se acomodou melhor na poltrona, chegaria a Paris em cinco horas e resolveu dormir um pouco.
Locomotiva
Assinar:
Postar comentários (Atom)
2 comentários:
De Gabriel Garcia Marquez à relógios. Trem, em Goiás quer dizer outra coisa (vide os primeiros posts). E viva o Ricardo!!!!
Viva seu texto!!!!
Mar-avilha!
Força do mar no cérebro e nos intestinos!
Que maravilha tudo isso,mas que grande maravilha a percepção dos antigos tatuados como grandes predestinados!
Postar um comentário